26.9.06

Coreia do Norte, imagine-se num mundo criado


Imagine um mundo criado por Estaline, Kafka, Orwell, Huxley, Philip K Dick e Woody Allen
Não são poucos os que me perguntam por que raio fui passar férias na Coreia do Norte. Não são umas férias fáceis. A presença constante dos guias e aquilo que senti como uma tentativa de lavagem ao cérebro de manhã à noite são opressoras e houve momentos de desespero por causa disso. Pensei que estava a ser hipócrita, em inúmeras ocasiões que pediam resposta e não fui capaz de dar. Além disso, sou viciado em Coca-Cola e, lá, encontrar uma Coca-Cola é o equivalente a ver uma cruz invertida numa igreja. Mas foram sem dúvida as férias mais fascinantes que já tive, no país mais fechado do mundo, que senti como se estivesse a visitar um universo paralelo. Visitei um regime que creio que já só podemos encontrar na ficção científica.
Para além dos adeptos do regime, imagino que a Coreia do Norte interessa muito àqueles que gostam de política, economia e sociologia. É talvez o único local onde ainda não chegou a globalização e onde podemos encontrar uma civilização realmente diferente, um regime socialista que parece derivado do idealizado por Estaline e Mao, mas que desenvolveu um cunho muito particular. Mas, na minha opinião, a Coreia do Norte interessa sobretudo aos amantes da ficção científica e que sempre sonharam entrar no livro, no filme, no jogo por que se apaixonaram. A ucronia é um sub-género da ficção científica, que também se poderia chamar de novela histórica alternativa, que se caracteriza pelo facto de a trama se desenvolver a partir de um ponto no passado em que algum acontecimento sucedeu de uma forma diferente (por exemplo, os perdedores de uma determinada guerra são os ganhadores, etc.). Philip K Dick é um dos principais autores de ucronias. A distopia é um outro sub-género, que tem muito em comum com o primeiro, que se caracteriza pelo totalitarismo, autoritarismo, bem como um opressivo controlo da sociedade. O termo foi cunhado pelo filósofo e economista John Stuart Mill como o antónimo de utopia, o lugar perfeito, onde tudo é como deveria ser.
“1984”, de George Orwell, é para mim o livro de leitura obrigatória, para quem quer visitar a Coreia do Norte com um olhar crítico. Está tudo lá: o olho totalitário que tudo vê, a lavagem cerebral, a diminuição do léxico a um conjunto de frases simples que reduz a realidade a meia dúzia de chavões.
“O Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley, é outro livro que relata uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas, onde a vontade livre foi abolida por meio de um condicionamento metódico, a servidão se tornou aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida por uma droga e onde as ortodoxias e ideologias eram “propagandeadas” em cursos nocturnos ministrados durante o sono. Aqui, como na Coreia do Norte, cada indivíduo cumpre uma função na sociedade que em grande medida lhe é imposta e não pode fugir dela. Além destas duas obras de referência, “À Beira do Fim” (“Make Room! Make Room!”) de Harry Harrison e o “Planeta dos Macacos” de Pierre Boule são também livros que podem ser lidos por quem, sendo amante da ficção científica, qur tirar o máximo partido de uma visita à Coreia do Norte. Para quem gosta mais da história clássica, recomendo a “República” de Platão e “Roma a Eterna” de Robert Silverberg.
Creio que todos os livros de ficção científica citados foram transpostos para cinema. Quem prefere ver filmes, não deve esquecer-se também de “Sleeper”, de Woody Allen, em que ele interpreta um saxofonista congelado em 1973 e que volta à vida 200 anos depois, para tentar derrubar um governo totalitário e opressor. Ou "Logan’s Run", de Michael Anderson, passado em 2274, onde a sociedade é gerida por computadores, que decidem que toda a gente deve morrer aos 30 anos, para evitar o excesso populacional. “Matrix”, dos irmãos Wachowski e o filme de animação japonês “Ghost in the Shell” e a série de animação da MTV "Aeon Flux" abarcam também o tema dos universos totalitários passados no futuro.
Na banda desenhada, "V for Vendetta" de Alan Moore e David Lloyd, recentemente transposto para cinema, passa-se numa Inglaterra distópica e "Exterminador 17" de Bilal e Dionnet e "Megalex" de Jodorowski e Beltran são também alguns exemplos de obras onde o Estado é omnipresente e totalitário.
Se você gosta de jogos de RPG, não se esqueça de “Paranoia”, um jogo em que os indivíduos estão fechados num complexo regulado por um computador central e o seu trabalho é encontrar e destruir os inimigos do computador.
Quem visita a Coreia do Norte e não gosta do que vê, mas tem a felicidade de poder ver o regime “de fora”, não pode deixar de se lembrar um pouco de todas estas referências. O regime é construído com uma legitimidade válida, até tenho alguma simpatia pelos ideais socialistas, mas o resultado parece saído de um mundo paralelo e é assustador. Imagine um mundo criado por Estaline, Kafka, Orwell, Huxley, Philip K Dick e Woody Allen. Se quer mesmo conhecer o resultado, não deixe de ir passar umas férias à Coreia do Norte.

25.9.06

Thomas Hirschhorn


O Homem que abalou a pacatez helvética.

No one paid much heed last year when the Swiss artist Thomas Hirschhorn stopped showing his work in Switzerland to protest a rightist populist's entry into the government. Now, in a new exhibition in Paris, a biting critique of Swiss democracy, Hirschhorn has provoked stormy scenes in the Swiss Parliament that have turned him into his country's most talked about artist overnight.

Hirschhorn is renowned on the international art scene for his bizarre, politically inspired installations. But conservatives are infuriated that his new show, "Swiss-Swiss Democracy," uses the Swiss Cultural Center in Paris to ridicule democracy in Switzerland and to attack the ultranationalist politician Christoph Blocher, the target of Hirschhorn's protest last year, who is now minister for justice and police.

A sprawling multimedia exhibition, it is unusual even by Hirschhorn's standards. He has covered the walls and doors of the two-floor Swiss center with multicolored cardboard, decorated with photographs, graffiti, posters, newspaper cuttings and official documents; all the furniture has been wrapped in duct tape. Every day the center puts out a newspaper prepared by Hirschhorn, presents a lecture by a philosopher and puts on a one-hour play.

"They said I was suggesting Switzerland tortured people," Hirschhorn said. "In fact, I was drawing a parallel with William Tell, who rebelled against Austrian occupiers. My point is that democracy does not start and end in Switzerland. Does it make sense to have a lot of democracy in a tiny Swiss canton and not in Africa, Asia and Latin America? Democracy only makes sense if it is universal.
"That's why I ask, is it legitimate to torture in the name of democracy?"

Alan Riding - The New York Times

A Dica da Semana #2 - Expresso vs Sol

Para todos aqueles que andam com a angústia de não saber que semanário comprar ao Sábado, vimos aqui ajudar a pôr as ideias em ordem, para que não tenham que continuar a comprar os dois pasquins, actividade que pesa bastante na carteira e no ombro, como se sabe:
- o Expresso custa 2.8 euros, o Sol 2 (0-1);
- o Expresso pesa 4.1Kg, o Sol 3.6Kg (1-1);
- o Expresso dá DVDs até Novembro, filmes que já toda a gente viu mas que podemos oferecer aos amigos no próximo Natal, poupando tempo e dinheiro (2-1);
- a manchete da EPUL no Expresso é uma não-notícia, porque anunciava com grande escândalo que há directores na EPUL que são vitalícios, quando toda a gente sabe que um contrato de trabalho que não seja a termo é sempre vitalício; a do Sol, sobre Proença de Carvalho, é também uma não-notícia, porque devia ter sido dada há muitos meses e revela uma razão de fundo que toda a gente já desconfiava, ou seja que o advogado tem muitos amigos (3-2);
- a coluna do arquitecto Saraiva, chamada Política a Sério, faz-nos rir muitíssimo mais do que a de Monteiro (3-3);
- o arrivismo do Sol de dizer que é "líder desde o primeiro dia", porque fez mais 10 mil exemplares que o Expresso precisamente para poder dizer isso, mostra uma falta de nível que não cai nada bem (4-3);
- o Sol é descaradamente tablóide e as notícias do Sol são curtas, parecem feitas para atrasados mentais, como os que lêem o Correio da Manhã (5-3);
- o logotipo do Sol é de bradar aos céus, parece feito para uma marca de detergente (6-3);
- a revista do Sol, chamada Tabu, mostra gajas boas nuas (esta semana, Manuela Moura Guedes), a do Expresso é muito institucional e decadente, parece a revista Homem (6-4);
- a última página da revista do Expresso é da Clara Ferreira Alves, a do Sol é do Paulo Portas (7-4);
- lê-se efectivamente 2% do Expresso e 3% do Sol (7-5);
- o Sol tem mais escândalos (7-6);
- o Expresso tem mais lixo, que temos que deixar logo na mesa do café e não deve ser reciclado (suplemento de golfe, de vinhos, das casas, do emprego, da Fnac, da Worten... (7-7);
- o Sol é um bocadinho mais descaradamente PSD que o Expresso (8-7)
Comprem o Expresso.

23.9.06

A Dica da Semana #1 - Olho na Fnac

Assim se inaugura outra hipotética boa secção: A Dica Da Semana (o que não quer dizer que a secção não possa ter outra periodicidade; é só porque o nome soa adequado..).

Olho na Fnac, que parece andar a aproveitar-se da fama e a ir-nos aos bolsos. É como todas as igrejas, habituam-se a uma pessoa ter fé e pimba. Reparemos este singelo exemplo: A mui simpática colecção de DVDs Noir Collection está à venda na fnac, por €14,90. Não parece mal de todo.



Claro, que quando olhamos para a Worten ainda parece melhor...:



Resultado: Fnac 14,90 - Worten - 11,89! 3-três-3 Euros de diferença? Então já nem na faneca se pode confiar? Temos o caldo entornado, ai temos, temos. E, para mais, sublinhe-se essa simpática nostalgia da worten em ainda informar o preço em escudos...

I'm married with a sex machine

Enquanto uns viajam, outros se pegam ao messenger e outros ainda teimam em ligar o motor, eu tenho passado os dias em versões net dos malucos do riso:

Slibe.com - Free Image Picture Photo Hosting Service


in http://www.slibe.com

22.9.06

Apontamentos de viagem #1 - Coreia do Norte (5ª parte)

13 de Setembro
Na véspera do regresso, fomos levados à Exposição Internacional da Amizade, um museu gigantesco, em dois pavilhões, com as ofertas dadas por outros países aos dois Líderes. O pavilhão dedicado ao Grande Líder ostenta 220.000 presentes, enquanto o dedicado ao Querido Líder apenas 50.000 (alegadamente porque os anos 90 foram de crise, baptizados de “a árdua marcha”, tendo por isso havido menos presentes). A exposição é absolutamente fabulosa, podia ser facilmente renomeada de Museu do Kitsh. Chamaram a minha atenção os carros oferecidos por Estaline, sobretudo um lindo Zil dos anos 50, à prova de bala e pesando 6 toneladas e também uma carruagem de comboio oferecida por Estaline e outra por Mao, que fariam inveja ao Expresso do Oriente. Fiquei siderado ao ver que Ramalho Eanes, já nos anos 90, muito depois de ter deixado a presidência, ainda enviou três presentes a Kim Il Sung. Talvez este dado, fornecido aos historiadores, possa contribuir para compreender melhor esta figura enigmática da nossa História. Encontrei também presentes do PRD e de Costa Gomes. Nenhum do PCP. O Grande Líder deve ter gostado muito dos nossos galos de Barcelos, da loiça das Caldas e dos barquinhos de filigrana. Momento mais delirante desta experiência: quando entrámos num salão onde se ouvia uma música celestial e tivemos que nos curvar perante um boneco de Kim Il Sung em cera.

14 de Setembro
O dia da partida ainda tinha reservado uma surpresa: já no avião, a hospedeira, falando em inglês, anunciou ao microfone que íamos “voar para Pequim, na China, país que cooperou com a Coreia na luta contra os imperialistas japoneses”. Disse depois que nos iam “servir uma bebida, exultada pelo Querido Líder Camarada Kim Jong Il e fornecida ao povo pelos benefícios que traz para a saúde”. Era cidra.
Foi a cereja no topo do bolo.


O Diário de Tintim na Coreia do Norte

1. Da Excitação no Aeroporto de Pequim à Cidade Fantasma

2. Da Visita a Pyongyang, a Cabana & o Juche, os 50 Sites, o Leste do País e os Prodígios de Kim II Sung

3. Do Dia do Piquenique, o Banco de Kim, o Dia Nacional da Coreia, a Festa Cancelada, os Monumentos, a TV e o Mausoléu de Kim

4. Da Frustração dos Pins, a Maior Barragem do Mundo, os Crimes Americanos, a DMZ, o Palácio das Crianças e a Apoteose das Raparigas do Futebol

VOCÊ ESTÁ AQUI
5. Da Exposição Internacional da Amizade à Partida com Sabor a Cidra

Apontamentos de viagem #1 - Coreia do Norte (4ª parte)

(Museu de Crimes de Guerra dos EUA durante a Guerra da Coreia)
11 de Setembro
Os pins são só para os coreanos, não são para os turistas. Deu-me um baque quando disseram isto. Milhões de pins à minha volta, que o Estado fornecia a toda a gente e o meu dinheiro não os podia comprar. Senti-me como uma criança a quem tinham negado um doce.
Neste dia, viajámos novamente pela província, até à West Sea Barrage, “a maior barragem do mundo”. Deram-nos a ver uma cassete sobre a construção da barragem, o maior exemplo da “vitória do homem sobre a natureza”. A parte mais delirante foi quando a reportagem explicou que o Querido Líder foi lá pessoalmente para resolver problemas técnicos, que os engenheiros não conseguiam resolver. Consegui comprar a cassete.
Visitámos ainda um museu sobre os crimes americanos, durante a guerra da Coreia. Eu sei como os americanos são e sei também que situações de guerra tornam as pessoas deshumanas, mas aquelas pinturas de soldados americanos a cortar seios e esventrar mulheres e as fotos de crânios com pregos espetados, entre outras atrocidades, pareceram-me um bocadinho demais. Fiquei sem saber o que pensar. Cada país faz a sua História.
Seguimos para sul.

12 de Setembro
Visitámos finalmente a DMZ (De-militarized Zone), uma linha de demarcação de 238Km e uma banda de 4Km de largo, 2Km de cada Coreia, junto ao paralelo 38, onde supostamente não vive ninguém e não há qualquer actividade militar. Claro que a área circundante é tudo menos desmilitarizada, é uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. O nosso cicerone foi o coronel responsável pelo controlo da fronteira com a Coreia do Sul, o que considerei uma honra para nós. E, no meio de tudo há uma “aldeia” com pavilhões de ambos os países, cortados a meio por uma linha desenhada no chão, com soldados de um e outro lado separados por 2 ou 3 metros de distância. Fiquei tentado a correr para o lado de lá, só para ver o que acontecia, mas refreei-me. Mas para mim todo aquele cenário era absurdo, surreal.
À noite estávamos de volta a Pyongyang, onde assistimos a uma performance artística no Palácio das Crianças. Chamou-me a atenção o facto de as crianças em palco serem todas exactamente do mesmo tamanho. Mas não era bem assim: reparando bem, todas tinham sapatos com saltos de alturas diferentes, de maneira que a ilusão óptica era perfeita.
Soubémos à noite que a equipa feminina de futebol de sub-21 da Coreia do Norte tinha derrotado a China na final do Campeonato do Mundo. Como é natural, regressou em apoteose. As jogadoras receberam de Kim Jong Il uma casa e um carro cada uma. Ficámos a saber também que os ensinamentos do Querido Líder tinham sido essenciais para aquela vitória.
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1. Da Excitação no Aeroporto de Pequim à Cidade Fantasma

2. Da Visita a Pyongyang, a Cabana & o Juche, os 50 Sites, o Leste do País e os Prodígios de Kim II Sung

3. Do Dia do Piquenique, o Banco de Kim, o Dia Nacional da Coreia, a Festa Cancelada, os Monumentos, a TV e o Mausoléu de Kim

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4. Da Frustração dos Pins, a Maior Barragem do Mundo, os Crimes Americanos, a DMZ, o Palácio das Crianças e a Apoteose das Raparigas do Futebol


5. Da Exposição Internacional da Amizade à Partida com Sabor a Cidra

Apontamentos de viagem #1 - Coreia do Norte (3ª parte)

(Mausoléu de Kim Il Sung)
8 de Setembro
Dia de explorar a natureza, no “mini-Kumgang”. Não pudemos fazer trekking, porque alegadamente há manobras militares naquela zona. Pareceu-nos mais uma desculpa para os guias não terem que subir montanhas, já que não nos podem perder de vista.
Passeámos e fizemos um piquenique no bonito parque Moranbong. Parecia ser o único sítio até agora a salvo de referências aos líderes. Parecia, mas não era: de entre os muitos bancos de pedra, havia lá um que tinha por cima uma placa de vidro, com umas inscrições gravadas. Pois, era isso. Um dos Kims, um dia, tinha-se lá sentado.

9 de Setembro
Este é o dia nacional da Coreia do Norte, dia de festa, onde teríamos assistido ao festival Arirang, de dança sincronizada em massa, da qual a Coreia do Norte é campeã do mundo, que foi no entanto cancelado por causa das cheias. Teria sido o ponto mais alto da viagem, mas acabámos por ver só uma versão mais modesta do acontecimento. Assim, passámos o dia a visitar os monumentos principais. Começámos o dia a depôr flores aos pés da estátua de Kim Il Sung e mais tarde também no cemitério dos heróis da guerra da Coreia, no qual cada herói teve direito a estátua personalizada por cima da campa. Depusémo-las mais precisamente na campa da mãe de Kim Jong Il. Na Juche Tower (“Juche” é o nome da filosofia sócio-política criada por Kim Il Sung, remotamente baseada no marxismo e no maoismo e no princípio de que o Homem consegue mudar o ambiente que o rodeia) havia umas placas oferecidas por seguidores de todo o mundo, de onde sobressaíam placas dos “Comités de Estudo do Kimilsunguismo” da Amadora, Loures e Estoril. Eles estão mais perto do que eu imaginava.
À noite, conseguimos finalmente ver televisão da Coreia do Norte. Era o Telejornal. Uma só notícia: a visita do Querido Líder a uma fábrica, onde foi fazer "on the spot guidance". Mas não era uma gravação vídeo daquela visita, não senhor: as imagens do jornal televisivo eram "slides".

10 de Setembro
O momento mais alto da viagem foi neste dia. Para adicionar à minha colecção de personalidades embalsamadas (que já contava com Lenine e Mao), juntou-se aqui Kim Il Sung (acho que agora só me falta Ho Chi Minh). Mas, comparados com Kim Il Sung, os outros são brincadeiras de crianças. São todos vistos a correr e o mausoléu de Mao, na sala seguinte àquela onde está exposto o corpo, até tem barracas com venda de brindes com a efígie de Mao (incluindo um relógio, em que o braço dele acena enquanto faz tic-tac).
Aqui, é muito diferente. Respeita-se o morto. O gigantesco Mausoléu, talvez do tamanho do Centro Cultural de Belém, fica ao cimo de uma enorme avenida, no centro da cidade, sem prédios, só com espaços verdes, para onde se entra depois de passarmos por um monumento de respeito. Há também um eléctrico todo aperaltado, só para fazer aquele trajecto. A audiência com o morto foi marcada com antecedência e tínhamos sido avisados que tínhamos que ir bem vestidos, com camisa de botões e preferencialmente com gravata. Esperámos numa sala de espera e, quando chegou a hora, entrámos no edifício, onde passámos à frente de um grupo de coreanos em excursão, umas cem pessoas, que olhavam para nós como se nunca tivessem visto uma pessoa da nossa raça. E provavelmente alguns não tinham mesmo. Passámos depois por um tapete rolante, felpudo, que nos limpava os sapatos, depois por um pano húmido no chão que acabava com as impurezas que restassem. Deixámos de seguida tudo o que tivéssemos nos bolsos à entrada, até os cigarros, ainda passámos por um detector de metais e fomos depois revistados. Seguiu-se uma sucessão de corredores gigantes, como os do Feiticeiro de Oz, com passadeiras rolantes, onde não podíamos andar, ficávamos parados de pé até que as passadeiras nos levassem ao local. Ao fim de uns quinze minutos de passadeiras, entrámos então os quatro (nós os dois e os dois guias) numa enorme sala, onde havia ao fim uma estátua branca impressionante de Kim Il Sung, de uns dez metros de altura, com uma parede iluminada de rosa por trás, onde ele olhava de cima para nós com ar paternalista. Curvámo-nos os quatro perante a estátua. Seguiu-se outra sala e finalmente a entrada para a câmara onde está o corpo. A entrada para a câmara é um corredor de onde sopram fortes jactos de ar purificador, com desinfectante, para cima de nós. O corpo lá estava, ao meio da sala, numa redoma de vidro, coberto por um pano vermelho. Curvámo-nos os quatro perante o morto, quatro vezes, aos pés, à cabeça e de cada um dos lados. Passado este clímax, ainda visitámos uma sala com todas as condecorações recebidas pelo Grande Líder, ainda uma outra com a carruagem de comboio onde ele percorria o país fazendo “on the spot guidance”, uma terceira com o seu último Mercedes (exposto com as rodas em cima de quatro espécies de pedestais em mármore) e finalmente uma quarta onde havia uns baixos-relevos em bronze, gravadas com multidões a chorar em desespero, enquanto uma guia explicava em pranto e aos soluços a um grupo de soldados, o quanto o povo chorou a morte do Grande Líder Presidente Kim Il Sung, que lhes foi enviado do céu (“from the sky”, segundo a tradução que ouvíamos nos nossos auriculares, fornecidos à entrada da sala).

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Apontamentos de viagem #1 - Coreia do Norte (2ª parte)

(interior da Biblioteca ou Great People's Study Center)
6 de Setembro
Visita guiada a Pyongyang. Começamos pelas origens, uma visita ao local de nascença de Kim Il Sung, no subúrbio da cidade, transformado num santuário de peregrinação. Uma cabana modesta, agora integrada num parque enorme. O nascimento foi em 1912 e esse ano deu origem a um novo calendário, pelo que o ano de 1912 para eles é o “Juche 0” e agora, em 2006, estamos no “Juche 94”. Kim Jong Il, o filho, terá nascido em 1942, também numa cabana, no sopé do monte Paektu, um monte sagrado desde há séculos para os coreanos, num dia em que dois arco-íris cruzaram os céus. A ocasião está imortalizada em painéis públicos por todo o país, mostrando o monte e a cabana. Investigámos e o pai estava exilado na União Soviética naquele ano. Resistimos a perguntar aos guias como é que isso se explica. Desde pequenos que estamos habituados a outras lendas sobre Messias que nascem em cabanas.
Nesse dia, outra visita para lembrar foi à biblioteca nacional, um edifício monumental, com centenas de salas, todas decoradas com quadros dos dois Kims. Descobri que têm Internet, embora só com acesso a sites norte-coreanos: “temos mais de 50 sites, só do nosso país” – disse a guia.

7 de Setembro
Viajámos até Wonsan, na costa leste do país. Nas estradas, as pessoas andavam a pé. Eram quase todos militares (serviço militar obrigatório de 5-8 anos para os homens, 3-5 anos para as mulheres). Comecei a ver vários camiões militares, todos a deitar uma enorme cortina de fumo do motor. Não era possível estarem todos avariados! Pois não. Eram movidos a carvão. Os soldados vão deitando carvão para servir o motor, ao longo da viagem. Bela forma de reduzir a dependência do petróleo.
Vamos vendo enormes colunas de betão, de um lado e do outro da estrada. Têm que estar prevenidos: as colunas são para dinamitar, se houver uma invasão de sul.
Em Wonsan aprendemos o significado de um dos pilares do regime, o conceito de “on the spot guidance”. Kim Il Sung passou a vida a visitar o país e dar instruções em cada local (“on the spot”) sobre como fazer as coisas. Em cada local onde ele foi há uma tabuleta em pedra a assinalar o acto, indicado a data e o que ele disse. Então, fomos a um templo budista, um dos poucos autorizados, em que o monge nos contou como Kim Il Sung lhe tinha ensinado a praticar o budismo; a uma cooperativa agrícola onde ele ensinou aos agricultores como cultivar; e por aí fora. Na cooperativa, a responsável contou-nos uma história que parecia tirada da Bíblia: quando Kim Il Sung lá foi, nos anos oitenta, o responsável da cooperativa disse-lhe: “nesta árvore devem estar uns quinhentos frutos”. Ele respondeu-lhe: “não, estão uns oitocentos”. Contaram-nos: havia 803!
Nesse dia ainda visitámos um campo de férias infantil, a quem o Querido Líder Camarada Kim Jong Il tinha oferecido pessoalmente a tenda, o escorrega, etc. Era ali que começava a entronização.


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5. Da Exposição Internacional da Amizade à Partida com Sabor a Cidra

Ontologia Messengeriana #2

Estou tão contente... Descobri o Bruno a que se refere Any the One no post anterior, precisamente a aprender como é que o tempo cura tudo. Any the One, esta é para ti.

21.9.06

Ontologia Messengeriana #1

Não sei se também acontece convosco, mas sempre que abro o meu messenger penso que todas as frases que cada um dos meus contactos coloca junto ao nome me são dirigidas. "Esta é self centred", pensarão vocês. Eu, que pouco sei de inglês, e que não sei o que isso quer dizer reduzo-me à minha ignorância e sigo em frente. Pois, numa dessas noites de solidão messengeriana, dei comigo a pensar ser a destinatária de uma frase que me fez estremer e sacudir a cabeça repetidamente e várias vezes. Dizia um dos moços, cuja identidade eu vou preservar, chamando-lhe apenas Bruno...que é, no fundo, o nome dele: "Dizem que o tempo cura tudo. Mas desde que me apaixonei de ti, o tempo se congelou (gosto muito mesmo de ti, para quem é sabe bem) - Não existe amor impossível, apenas pessoas incapazes de lutar por aquilo que chamam de amor". Lindo, lindo, lindo...e percebi que aquilo só podia ser cá para a Raquel Cristina.Poderia fazer uma análise profunda da frase. Poderia. Mas a minha pouca instrução iria tirar todo o brilho ao autor da frase...que vamos mesmo só chamar de Bruno...mas que aquelas palavras revolveram todo o meu ser, lá isso...não posso negar.

Apontamentos de viagem #1 - Coreia da Norte (1ª parte)


Resolvi brindar-vos com um diário da minha estadia na Coreia do Norte. São só pequenos apontamentos. Foi já no final das férias que me lembrei de começar a tirar notas, quanto mais não fosse para eu próprio não me esquecer nunca dos preciosos pormenores desta viagem, a mais bizarra que já fiz.

5 de Setembro
A excitação começou logo no aeroporto de Pequim: no check-in, à nossa frente, um grupo de 27 homens, todos vestidos de igual, todos com malas da mesma marca (“Diplomat”), que se diferenciavam umas das outras por um número. Todos com um pin na lapela com a cara de Kim Il Sung. Comecei logo ali a cobiçar aqueles pins.
O avião, da Koryo Air, não se parecia com um Boeing ou Airbus ou nada feito para voar nesta década. Na primeira classe havia bordados à mão nas cadeiras e almofadas bordadas também à mão. Na classe turística, as cadeiras pareciam-se mais com as de um autocarro antigo do que as de um avião. A alcatifa era alta, como era moda nos anos 70. Era um avião muito bonito.
O aeroporto de Pyongyang é um aeroporto calmo: naquela semana, a mais procurada do ano por causa dos festejos no país, quando se concentram os turistas, iriam haver apenas três voos internacionais, dois com a China e um com o Vietname. Os poucos estrangeiros que não sabiam que tinham que deixar os telemóveis em Pequim, têm que os deixar no aeroporto. Livros que mostrem o modo de vida fora da Coreia do Norte também não passam. E é também o único aeroporto que conheço que tem uma máquina de raio x, um detector de metais e revista ao corpo e às malas à chegada!
Chegámos então ao país dos Kims: Kim Il Sung, nunca referido pelos coreanos só como Kim Il Sung (a lenga-lenga é “O Grande Líder Presidente Kim Il Sung” – digo Presidente porque foi recentemente eleito Presidente perpétuo); o filho, um grau abaixo, era sempre, sem excepção, referido como “O Querido Líder Camarada Kim Jong Il". A guia chamava-se Kim, o motorista chamava-se Kim. O outro guia era Che. Todos com os tais pins de Kim Il Sung. Comecei a obcecar com aqueles pins. Reparei depois que todos os coreanos os tinham. Milhões e milhões de pins na rua.
Na estrada do aeroporto para a cidade viam-se muito poucos carros, a maior parte deles militares, muitas bicicletas mas quase toda a gente andava a pé. Começámos a ver sucederem-se os enormes posters e painéis em mosaico dos Kim, e outros revolucionários, que povoam as cidades e também os campos, a colorir a paisagem. Outros cartazes exibiam flores, duas espécies de flores, que viemos a saber chamarem-se Kimilsungilia e Kimjungilia, em homenagem dá para perceber a quem.
A primeira visita foi ao Arco do Triunfo, construído para comemorar a "vitória" na guerra da Coreia, por ocasião do septuagésimo aniversário do líder e por isso decorado com 70 pedras de granito. Não vou entrar em mais detalhes, mas toda a engenharia do monumento foi feita no respeito por números com significado relacionados com o Grande Líder.
À noite, pedimos para passear pela cidade, de carro. Era uma cidade fantasma: depois das 18h, os carros estão proibidos de circular sem uma autorização especial, que o nosso, graças ao Querido Líder, tinha.
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5. Da Exposição Internacional da Amizade à Partida com Sabor a Cidra

20.9.06

Take 1: Vamos acabar com o carjacking | põe o alarme


(Description:
This circuit is designed primarily for the situation where a hijacker forces the driver from the vehicle. If a door is opened while the ignition is switched on, the circuit will trip. After a few minutes delay - when the thief is at a safe distance - the alarm will sound and the engine will fail.)

in http://www.mitedu.freeserve.co.uk/Circuits/Alarm/5zalm.html