6.10.06

Fóruns #1

A Vanessa tem um pai, uma mãe e uma família. Mas foi violada pelo pai dos 4 aos 12 anos, com o silêncio cúmplice da mãe. Concorda com a adopção de crianças por casais heterossexuais?

Instigado pelo meus raros impulsos cívicos, resolvi meter-me ao barulho num fórum do
Expresso. Tema: Concorda com a adopção de crianças por casais homossexuais?
Aqui fica o comentário.

Obviamente que concordo e por duas razões muito simples:

1. A capacidade e o desejo de ser pai/mãe não é definido nem condicionado pelo género ou pela orientação sexual;

2. É uma aberração social que um Estado mantenha uma criança a viver numa instituição quando existem cidadãos psicologica e financeiramente aptos a oferecerem a segurança de uma família a essa mesma criança.


Os habituais argumentos de quem é contra, que falham continuamente por erro de perspectiva, só reforçam a minha posição.

1. A questão das crianças com pais do mesmo sexo serem gozadas na escola. É uma questão bastante curiosa, porque se parte do princípio que é normal ridicularizar a vida e as escolhas dos outros. E isto, sim, é uma aberração. O problema não é a adopção mas sim a ausência do princípio de respeito pelos outros com que os pais, heterossexuais, diga-se, educam os seus filhos. Normalmente, estes "excelentes" pais/educadores esquecem-se que eles próprios (na verdade, toda a gente pode) podem ser (e hão-de sê-lo por alguém) ridicularizados pelas mais diversas condições pessoais.


2. Aumenta a probabilidade de abusos sexuais. Este argumento, que normalmente parte da premissa que um homossexual não consegue olhar para um miúdo sem segundas intenções, só pode ser causado por cegueira. A larga maioria dos casos de abuso sexual sobre crianças ocorre dentro da família, aquela que a maioria considera o modelo ideal para uma criança, e é exercida sobre meninas. Tendo em conta este facto, que deveria fazer o legislador? Proibir que os casais heterossexuais tivessem filhos? E a sociedade? Ridicularizar essas crianças nas escolas? Brindá-las com perguntas do tipo "Então ó Vanessa, o teu pai já te violou hoje?"


3. Os filhos de pais homossexuais virão a ser, naturalmente, homossexuais. Esta teoria também é muito curiosa porque desmentida por casos e dados estatísticos concretos. Por outro lado, oculta uma questão muito importante e que influencia mais do que se pensa a discussão: a aceitação da homossexualidade está ao nível da aceitação de uma doença crónica. Ou seja, no fundo teme-se que tendo dois pais do mesmo sexo que essa enfermidade seja contagiosa e passe à criança. De qualquer forma, a esmagadora maioria dos homossexuais cresceram em família tradicionais, por isso talvez fosse conveniente proibir por decreto que os heterossexuais tivessem filhos. A Dinamarca, que permite a adopção, realizou um estudo científico sobre o assunto. O resultado, como seria de calcular, conclui que é impossível estabelecer qualquer relação causa / efeito.


4. É necessário para o crescimento saudável de uma criança a presença de um pai e de uma mãe. Pergunto-me o que é que isto quer dizer. O que é que, hoje, em 2006 isto quer dizer. Exemplo: Eu conheço casos de casais heterossexuais que resolveram ter um filho numa tentativa desesperada para salvar um casamento. Pergunto-me se alguém lúcido acha que isto é razão para ter um filho. É normal que estas famílias acabem desfeitas ou disfuncionais e claro que quem sofre mais com isto são os filhos. Mas a lei permite porque considerará que isto é uma coisa absolutamente natural. Se olharmos racionalmente para os exemplos que temos à nossa volta, questiono-me se será mesmo verdade que a existência de um pai e uma mãe é condição sine qua non para um crescimento saudável. Presume-se que todos que cresceram sem um dos progenitores ou sem uma das figuras paternas não são saudáveis.

Por todas estas razões, parece-me que a questão colocada desta forma é enviezada e autista. Porque quem é contra não está a pensar nas crianças em primeiro lugar mas na defesa das suas concepções morais. E, bom, concepções morais temos todos, e todas elas podem ser questionadas e ridicularizadas. Mas não posso aceitar que isso seja um critério para o que quer que seja. No entanto, sou a favor de critérios rigorosos na avaliação dos processos de adopção. E sinceramente, por vezes, até penso que deveriam ser extensivos a uma eventual autorização para ter filhos. Porque há pessoas (hetero, homo, bissexuais e etc) que seriam excelentes pais e são impedidos por leis ultrapassadas e pejadas de falsos moralismos ou por processos burocráticos cabotinos. E há gente que tem filhos, naturais, que deveriam pura e simplesmente ser proibidas de o fazer.

Em conclusão, o importante é a criança. Ir investigar os lençóis dos candidatos a pais não é missão para um Estado Democrático de Direito.

4 comentários:

carlopod disse...

Quem se der ao trabalho de ir ver a discussão no fórum do Expresso, percebe que razorblade mostrou uma paciência de grande senhor para com aquela gente que interveio na discussão. Dou este exemplo de uma resposta que teve, para avaliarem o nível:

"SO ESQUERDISTAS FAZEM APOLOGIA DO TERROR, CASAMENTO GAY, DROGAS LIVRES, ABORTO E ADOPCAO DE CRIANCAS POR GAYS!!! ISTO COMPROVA O ESTADO MENTAL DESTES INDIVIDUOS, QUE COITADOS FORAM CONTAMINADOS POR ESSA DOENCA -DESORDEM MENTAL, QUE SE CHAMA ESQUERDISMO!!"

Continuamos paciente e democraticamente à espera que o nosso povo evolua até ao nível dos espanhóis. Acreditamos em Darwin.

Anónimo disse...

Eu sou contra!
É tão bom que os meus amigos não tenham bebes chorões, cheiro a fraldas ou peçam para eu cuidar das crianças para eles poderem sair a noite.
O Bairro Alto não tem espaço para trolleys, os nossos caes e gatos queridos morreriam de ciumes.
É como o casamento, os unicos que ficam verdadeiramente a ganhar são os advogados de divorcios!

remiguel disse...

Por amor de Deus! Eu acho muito bem que o Estado investigue os lençóis de cada um! Até acharia melhor ainda que me viessem investigar os meus, os levassem para analisar e os trouxessem lavados todas as semanas! Quem me dera! E, mesmo bicha até aos quintos dos Infernos, não vou adoptar criança nenhuma. Vou fazê-la. Tá visto que sendo feita por mim, nao ma podem tirar, seja eu gay ou nao. Logo, para quê querer cuidar duma já feita se não ma deixam ter? Ainda por cima, de certeza, seria um filho (claro que eu não escolhia uma filha) e teria a habilidade de mexer-se. E, já se sabe, eu, tricha, qualquer coisa masculina que se mexa, tá no papo. Mas por que raio querem os gays que desejam ser pais adoptar? Basta uns segundinhos para produzir um filho! Pronto, pode até ser um esforço ou um desgosto, mas enfim!, fica feito. Também ninguém gosta de ir às finanças ou ir tratar do BI mas vai. Força na palheta, gays de Portugal: querem ser pais, fodam!

remiguel disse...

E, além disso, é mais que evidente que as crianças com pais gays serão gays (as adoptadas, as biológicas, aparentemente, não. mistérios.) Eu, por exemplo, sou assim apanaleirado porque os meus pais também são, coitados.