27.9.07

"Fados"


...de Carlos Saura. O filme mega-sucesso internacional que dizem que está a ser para nós o que "Buena Vista Social Club" foi para Cuba e que está a "colocar Portugal no mapa" passou ontem no São Jorge.

O Fado é a melhor coisa que Portugal trouxe ao mundo. Não seria se não tivesse havido Amália. Essa é a parte chocante do filme: quase não tem Amália. É verdade que o que tem é delicioso: Amália aparece a ensaiar um Fado com Alain Oulman que, ao piano, a vai ensinado como ele deve ser cantado. É o momento mais ternurento do filme. Ela, perdida, tonta, pergunta-lhe "ah mas é assim? então não paro neste verso, continuo?"; ele, derretido, acena com a cabeça e responde-lhe: "continua". Não há mais Amália no filme. Fica-se com a sensação de que não há mais porque se houvesse mais os outros fadistas ficavam esmagados. Mas é pena.

O filme tem outros momentos bons. Há uma cena em que Marceneiro surge a cantar, que tem um detalhe que passa despercebido: começa o fado com o cigarro a meio e, quando está quase no fim da canção alguém lhe chama a atenção que o cigarro lhe está quase a queimar os dedos. Ele não lhe liga nenhuma e continua com o cigarro na mão. Outro momento grande é Argentina Santos, que canta maravilhosamente, mesmo com placa, mas onde a certa altura da canção ela própria parece mostrar que não lhe saíu bem, fazendo uma expressão do género "não era nada disto". Mas era, nós achamos que era. Caetano Veloso canta "Estranha forma de vida" em falsetto. Eu gostei mas à saída do cinema ouvi o Rui Veloso dizer "O Caetano a cantar fado é pior que cuspir na sopa". Apeteceu-me chamá-lo e dizer-lhe: "Rui, tenho uma coisa para te dizer: tu a cantares és pior que o Caetano" e esperar que ele, pela transitividade, deduzisse o que eu queria realmente dizer. Também gostei de ouvir o Chico Buarque a cantar o seu "Fado Tropical" e do cadavérico Vicente da Câmara, que parece um personagem de George Romero. Mariza canta as coisas do costume (podia ter variado um bocadinho). A parte "fado-flamenco" e "fado-hip hop", assim como os bailarinos (inspirados no Amaramália), ingredientes que têm a ambição de colocar o fado num outro patamar de modernidade, eu pessoalmente não achei grande coisa, mas reconheço que sou muito fundamentalista. Para mim todas essas modernices só se salvam porque são trabalhadas pelo excelente director de fotografia Eduardo Serra, aquele português que já foi nomeado duas vezes para os Óscares (uma das quais por "Rapariga com brinco de pérola" e está tudo dito).

O filme vai ser tudo menos consensual mas quanto a mim deve ser visto por toda a gente que gosta de fado, nem que seja para dizer mal. Estreia a 4 de Outubro.

7 comentários:

Anónimo disse...

Segundo Wim Wenders, a fadista de S. Bento foi afastada do filme por pedido de um nessa altura jovem, que em tempos se viu por ela prejudicado em alguns milhares de escudos. "ás de pagá-las"(sic) escreveu num pequeno papel, que nunca lhe chegou a enviar pois a fadista morre entretanto. A raiva nunca o abandonou e ontem ao sair do cinema, ouviram-no dizer entre dentes, Fez-se justiça, fadista só fôr na cona, e mesmo assim. Alguns populares ainda lhe quiseram arrear, pois imaginaram que falava de Misia(?)
jm

Anónimo disse...

O Sr. Lopes também foi embora do blog?

carlopod disse...

passou a rascunho, não sei quem fez isso. já o pus outra vez.

Anónimo disse...

Pensei que tinha ido com carrilho a partilhar o Renova

allaboutheforest disse...

pelo Eduardo Serra deve mesmo valer a pena. pela tua conversa parece-me modernismo a mais. espero que esteja bem integrado.

Anónimo disse...

Dizem que as partes do fado dançado não colam nada bem. É a conhecida mania de Saura pelas coreografias... de resto recibi bons comentarios

remiguel disse...

cada vez que leio este crónico carlopod fico cheio de estranhos desejos, lá vou ter que ir não só comprar a time out lisbon como ver o fados, coisa que não me apetecia nada, caralhos!

essa do ruiveloso fez-me pensar. é que se o caetano tem às vezes uns trauteares secantes, já o rui veloso tem às vezes uns silêncios comoventes. é que se o caetano às vezes tem uma canção ou outra aborrecida e um cantar insípido, o rui veloso teve às vezes uma canção ou duas boas (confesso o meu gosto por A Gente Não Lê, queria dizer outras mas não consigo lembrar-me, decerto terá não?)