16.7.07

"Homem Mau"


Eram 18h30m quando cheguei à Culturgest para tentar arranjar bilhete para o concerto que estava esgotado havia já mais de três meses. De meia em meia hora, alternando com a visita às exposições dos Irwin e do fabuloso Miguel Palma e um ou outro café, dirigia-me à bilheteira e perguntava às funcionárias se já havia notícia de algum autocarro com mais de 16 pessoas a caminho do concerto que tivesse resvalado por uma ribanceira. Para meu desgosto não. A espera tornava-se angustiante. E as funcionárias riam e diziam que eu ia parar ao inferno. Ao que respondia que no inferno já eu estava por não ter bilhete. Mas, enfim, com a chegada de amigos que não via há algum tempo que sempre aparecem nestas coisas e um pouco de conversa lá fomos passando o tempo. Estava na lista de espera em 12º lugar. Os outros 11 precisavam de 15 bilhetes. A cerca de 5 minutos do início do espectáculo consegui 2 bilhetes.
Num ambiente esgotado em que as dezenas de velas que iluminavam o palco criavam uma ambiência intimista e de proximidade entre tudo e todos, desciam do tecto fios com pequenas lâmpadas nas pontas colocadas de forma a criar uma espécie de labirinto. Quase não se notavam - mas estavam lá. Os três músicos que acompanhavam a sexagenária têm um currículo maior que eles próprios e tocaram com aquelas bandas de que todos já ouvimos falar.
Já tinha lido que "Homeland" não era um espectáculo pró-américa. Porém não tinha ideia de que pudesse ir tão longe. Quando uma "Senhora" como Laurie Anderson, com cerca de 60 anos de idade, resolve falar de política - o país mais poderoso do mundo deve tremer. "Tudo está feito para que deixemos de pensar". Ficamos a saber que o governador de NY divulgou uma prancha com 50 medidas a tomar em caso de terem que evacuar a cidade (é um documento absolutamente surreal). Ficamos também a saber que o governador do texas aconselhou as mulheres a trazer uma pistola, para defesa pessoal, na mala de mão (parte-se logo do principio que os homens já a trazem). As crianças cada vez mais gordas. Chamadas de atenção à prepotência da superpotência. A crítica ao i-pod e a crítica ao mundo em que vivemos comandado por ele - o ser mais odiado de todos. A palavra teve uma especial atenção. A poesia. O alerta. Um grito que se vê e se lê em todo o lado e a cada canto.
Pensava no meu amigo Coiote enquanto ouvia aquelas palavras. É importante ouvir estas coisas para nos tornarmos conscientes da realidade em que vivemos.
O país de Bush está podre. Enferma por todos os lados. Este maravilhoso concerto, a que assisti com uma t-shirt que um amigo me trouxe de Barcelona e diz "Kill Bush", ficará na minha memória.
"Deixa-me queimar a cidade. Deixa-me queimar algumas cidades. Porque eu sou um gajo mau".
"Acredito na democracia. Mas para já vamos deixá-la de parte. A guerra veio para ficar".
"Se eu adormecer, talvez haja no sono uma festa".
Laurie Anderson

8 comentários:

carlopod disse...

uauuu texto inspirado, forest. tenho pena de não ter estado lá contigo.

Anónimo disse...

eu tb, voces escreven o que eu penso, alias ja nem penso, agora venho direitamente a ler vossos comentarios enquanto tomo o pequeno-almoço...

allaboutheforest disse...

foi o máximo. é preciso coragem para fazer aquilo que ela está a fazer pelo mundo fora. ainda que mal comparado lembra aqueles músicos de intervenção que a América viu na década de 60 e nós na de 60 e 70. nota-se que alguma coisa está mesmo para acontecer. o pior é que pode ser alguma coisa mesmo muito grave. há já muitos indicadores nesse sentido.

Juanito - gostamos de te ter por cá.

carlopod estou a adorar esta coisa de conseguirmos falar numa base diária ainda que tu estejas de visita a esse país longínquo.

Anónimo disse...

Alguma coisa esta mesmo acontecer, Alias começou a acontecer em Genova a julho do 2001, Lamentavelmente dois meses depois o 11/9 adormeceu bastante aquel 20/7. As vezes penso que nao foi por acaso... Os amigos sempre se ajudam entre si , e Bush padre era muito amigo de Bin laden.

Sinto que o espiritu de Genova esta a renacer fortemente...

Vamos ver o que nos depara o destino

SILÊNCIO CULPADO disse...

Obrigada pelo que escreveu. Valeu a pena esperar por esse grito de alerta.

Anónimo disse...

e eu
que chorei a américa
num domingo de nevoeiro
que nem era 4 de Julho
tive os meus olhos entre os arbustos
ouvindo granadas na voz de laurie
ouvindo o vírus-laurie
ouvindo os estados desunidos do mundo

e eu
que chorei a falta do bilhete para esta América
fui lá pelas palavras do meu amigo forest
que teve a paciência de esperar a morte de 2 reservistas
louvado seja

god bless forest

Anónimo disse...

Uau Remi que poesia!!!!

allaboutheforest disse...

remi - sabes que a malta não é de deixar ficar à espera que as coisas aconteçam. Já que ela não vinha cantar cá a casa, havia que tomar decisões. Ainda que neste caso radicais.

Indi - bom video. Este é outro dos imortais. Tal como a nossa Laurie.