11.4.07

Ninguém me manda

(cena de ânfora espartana)

Sempre odiei mortalmente filmes como Tróia, Alexandre o Grande, Gladiador, Conan, Braveheart e A Paixão de Cristo e mesmo clássicos como Spartacus, Ulisses, Ben-Hur ou Choque de Titãs. Ainda por cima são todos intermináveis, acho que nenhum deles vi até ao fim. Os filmes épicos normalmente não têm nada a ver com arte, são tendenciosos, manipulam a verdade histórica para exaltar supostos actos heróicos, são filmes "de mensagem" sem mensagem, têm argumentos fracos e normalmente servem para enaltecer guerras entre os povos, atitude em relação à qual não tenho tolerância nenhuma.

Mesmo assim, parvo, fui ver '300', o filme-sucesso do momento, recordista de bilheteiras, não por o ter confundido com algum filme porno gay mas porque em geral gosto de graphic novels e tenho respeito por Frank Miller.

Big, big mistake.

A história é um tédio mortal, sobretudo porque já todos sabemos o fim e porque o argumento é simplificado ao mínimo indispensável, por forma a poder ser entendido por todas as audiências (entenda-se, todos os QI). Spartacus, por exemplo, é um filme épico com algum conteúdo e muito mais maduro e subtil do que Ben-Hur (é de Kubrick, apesar de encaixar muito mal na filmografia dele). Se os épicos recentes têm sido um grande passo atrás, na direcção de Ben-Hur, então '300' é feito para atrasados mentais.

O mais irritante é que é um filme homoerótico mas com piadas homofóbicas, um pouco na linha de Braveheart. As piadas servem, presume-se, para enaltecer a virilidade e a masculinidade dos espartanos. O rei Leónidas faz uma piada sobre os outros gregos, os fracos, medricas, chamando-lhes filósofos que andam com meninos (infere-se que medricas = maricas). Os espartanos são apresentados como indefectíveis heterossexuais, a meu ver porque, se não o fossem, passariam por homossexuais (o que consta, aliás, é que é essa a verdade histórica). Mais uma vez a homofobia, neste filme como em tantas outras coisas, serve para dissimular a homossexualidade.

Mas, paradoxalmente, os espartanos parecem todos saídos da sala de musculação do Holmes Place da Avenida da Liberdade e passaram todos pela depiladora, pela máquina de raios UV e por uma legião de cabeleireiros, antes de se untarem abundantemente com óleo. Também parecem ter arranjado alguma forma artificial de espetar os mamilos. Todos os 300 usam do princípio ao fim do filme só uma tanguinha e nenhum usa armadura. Em vários momentos do filme vemos figurantes deseperadamente a suster a respiração para encolher a barriga. O filme é tratado por computador também para realçar os músculos e os efeitos monocromáticos, tipo cartoon, do filme, têm a mesma intenção "camp" a mostrar os corpos que o "technicolor" na altura teve para Spartacus. O inimigo persa, esse, tem um tratamento diferente. São todos andróginos e o rei persa, Xerxes, tem tiques que fazem lembrar José Castelo Branco (foram aliás buscar um gay, Rodrigo Santoro, para fazer o papel).

Sobre os aspectos políticos do filme, já muita gente falou. É evidente que é um filme maniqueísta e racista, que exalta a supremacia do mais forte sobre o mais fraco e é decalcado, na estética e nas intenções, dos filmes de Leni Riefenstahl. Os persas são aqui evidentemente parte do "eixo do mal" e põem em causa a nossa civilização. Em suma, o filme é um delírio masturbatório para os "neocons" americanos, para os cristãos fundamentalistas e para idiotas de todo o tipo, sobretudo homofóbicos e gays. Para gente normal, é uma merda.

5 comentários:

Anónimo disse...

ainda nao vi e já adorei o filme, até pensava nao ir ver, mas convenceste-me.
santoro não é gay, é brasileiro.

allaboutheforest disse...

vi este filme há já algum tempo. na altura achei que era mais um filme americano de entretenimento mas que tinha o seu mérito porque a história estava próxima da realidade dos factos que conhecemos e como sou um defensor da divulgação da história achei bem. mas, fiquei estupefacto quando vi o alarido que fizeram por causa do filme. a divulgação, a atenção e a promoção é por demais exagerada.

gostei de dois efeitos especiais que nunca tinha visto em cinema e da produção do santoro ainda que muito drag e fantasista.

any the one disse...

O RODRIGO SANTORO É GAY???

ahahah...gostei da resposta...não é gay é brasileiro...

gosto tanto das tuas críticas cinematográficas...e da tua adjectivação...e de ti...tb gosto de ti.

carlopod disse...

any!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
dizeres-me uma coisa dessas aqui, quando ainda estava a decorrer a entrevista do sócrates na televisão é uma prova de amor que nunca vou esquecer.
adoro-te.

Anónimo disse...

o filme é bastante pior do que dizes. é tão histérico como 300 bichas histéricas juntas podem ser. tem apenas duas coisas que podem ser consideradas bem feitas: a fotografia e a depilação.