20.11.06
"Fundação" - pedro cabrita reis
pedro cabrita reis disse a propósito de fundação: «uma sobreposição de níveis e fragmentos de tempo muito densos e complexos que desde o início foram criando entre si pontos de resistência, pontos de passagem difícil».
comemoração dos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian.
é fantástico. quando observamos esta obra de arte a primeira coisa que nos vem à cabeça é seguramente "a sobreposição de níveis e fragmentos de tempo". durante a minha visita ouvi alguém chamar "monte de entulho" a uns tijolos emparedados que se encontravam a um canto. que falta de sensibilidade. é lindo. é aliás de uma beleza estética única. se os artistas são premiados pela diferença, ora aqui está algo que deve ser premiado. por quem e por quê, é uma questão a colocar. certamente será por alguém versado em retórica. sim, retórica. as palavras articuladas em sentidos encriptado, como convém associar às obras de arte, é fundamental. se é dificil ao observador compreender a obra, então que se faça uma descrição imperceptível para que não entenda mesmo nada. lamentemos a ignorância mas fomentêmo-la.
são tantos os conceitos que nos assaltam o imaginário que acredito que os observadores se sintam tentados a sobrevalorizar o tempo. "não a perda de tempo" por estar ali. de todo. até porque no piso em baixo está uma exposição de pintura portuguesa da primeira metade do século XX e, na recepção uma obra prima (Boock cell) de Matej Krén. o outro tempo de que o artista fala. a densidade do tempo que de resto está bem explícito na obra. a primeira coisa em que pensei logo quando entrei foi na densidade e na complexidade do tempo. o estar ali. dois passos a seguir percebemos a resistência entre os pontos criados por estes dois conceitos abstractos evidenciados pela determinação racional da beleza estética que envolve o visitante numa catarse sem precedentes na história da arte portuguesa.
Nuno Crespo, na Linha Arquitectura Design, diz a propósito - «...abre a escultura para o terreno da paisagem, intensifica e sublinha a acção do artista procurar sem saber o que procura até encontrar aquilo que faz sentido e faz "clic"». ora aqui está. está-se mesmo a ver. há efectivamente um "clic" qualquer. algures em qualquer parte deste trabalho existe um "clic". terá sido na colocação de uma obra de Corot? ou nos tijolos empilhados? acredito que possa estar relacionado com o acender das lâmpadas colocadas sobre os vários painéis de vidro translúcido. ou será que não era bem isto que o autor queria dizer?
o objectivo foi criar algo à frente no tempo e simultâneamente uma sintese da obra do artista que fez convergir momentos diacrónicos da sua vida que se cruzaram com os da própria fcg. a fcg está à frente do tempo contemporâneo? ou a contemporâneidade não se faz entender? será esta obra uma vanguarda? ou perder-se-á na história da história da arte?
o confronto de materiais é interessante. a ideia do vidro por cima das lâmpadas fluorescentes é muito boa (pena que não possamos andar sobre ele). esta interactividade seria uma mais valia muito importante. as cores interessantes mas nem por isso originais. a inclusão do Corot e de algumas peças de escultura é uma ideia boa assim como a das secretárias, das estantes e do primeiro estrado da fundação. há de facto um conceito. uma originalidade. se os tijolos aparelhados e picados pretendem aludir a uma fundação, quer seja estrutura fisica ou fundação de instituição, parece-me mal conseguido. o azul Yves Klein gostei. o efeito de repetição das estantes cria um efeito estético actual. o bastidor na parede vermelha, já ganhou. o presente e o futuro estão lá. os objectos velhos, os novos e os assim assim. até obras de arte lá estão. sim, gostei. fez-me pensar.
agora, não me parece correcto a fortuna histórica de críticas à obra. inclusivé as feitas pelo próprio artista. as criticas não devem ser encriptadas. por vezes tenho dúvidas de que os autores têm noção daquilo que estão a dizer. perdidos em adjectivos e palavras difíceis - não definem, não descrevem, não contribuem de uma forma positiva para a história da obra de arte - que no fundo é o que interessa. muito menos ajudam a divulgá-la àqueles que a pretendem conhecer. parece que o objectivo é dificultar a leitura para que mais facilmente seja aclamada por todos - os que supostamente entendem e os que não.
\arte, exposição\
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11 comentários:
temos que fazer sempre um exercício de separação da obra e do artista e depois do artista e do homem.
a historia da arte está cheia de exemplos de obras sublimes feitas por homens deploráveis da mesma forma que muitos autores as invalidam quando abrem a boca.
as obras tem que exister por sí, e só assim fazem sentido.
e nem vamos começar com a lengalenga do monte de entulho ou de "isso tambem eu fazia"
"o isto também eu fazia" é provavelmente um dos indicadores de maior ignorância em relação à arte e seguramente o comentário mais idiota que se pode fazer.
também fazia, mas não fez - e aí é que está a diferença.
sabes, uma vez um amigo meu dizia que o grau de apreciação da arte era inversamente proporcional a capacidade de quem a ver a fazer, ou seja, quanto mais complicado fosse, mais artistico era...
heheheh
é uma maneira de ver a arte. por vezes somos tão preguiçosos que não fazemos o menor esforço para entender as obras. assim é bem melhor elas serem complicadas - tanto na concepção como naquilo que se diz sobre elas. sempre temos uma desculpa para não as entender.
muito catita, esta crítica!
eu o cabrita reis, como os trabalhos dele parecem sempre "work in progress", eu até no outro dia passei aqui por uma obra ao lado da minha casa, embargada há dois meses e disse "olha, uma instalação do cabrita reis", portanto do cabrita reis até nem digo nada, mas uma crítica destas é que eu não era capaz de fazer.
meu caro amigo. a propósito do trabalho do Cabrita Reis já ouvi muita coisa. agora, essa piada é a melhor das piada. hehehe.
destaco ainda uma afirmação de um amigo meu: "isto é um atentado à inteligência das pessoas".
depois de "fundação", é verdade que qualquer obra é uma séria candidata a obra de arte. sobretudo nos tempos que correm em que o "work in progress" está na moda tudo pode ser arte.
só mesmo você para estas piadas inteligentes que ainda por cima têm piada.
ps: não leve esta última frase como um elogio porque raramente acontece. hehe.
razor - tens que ir ver a instalação. vais ver que desta vais gostar.
eu passei-lhe por cima e gostei, é só o que digo. acrescento que pressenti a interligação feita pelo artista entre a estátua ao cacique de que mr razor fala e a obra da fundação. cabrita-reis vai ao fundo da génese da modernidade nacional - a construção civil, com um toque de patos-bravos de histéricos egos - e, em simultâneo, aproveita também os lucros para, aposto, fazer obras em casa, que, provavelmente, até estaria a precisar. e quem lhe pode levar a mal? quem não gostaria de acabar as putas das eternas obras que todas as nossas casas mais ou menos precisam?
É, portanto, na essência, mais que um elogio à gulbenkian, um elogio à construção civil, essa cultura popular que a distinta fundação tantas vezes ignora.
mas, obras por obras, casa por casa, tenho que confessar que gostei da diversão do Book Cell. uma espécie de casinha de brincadeiras espertas que poderia estar numa boa feira popular.
eu vi a coisa em work in progress e achei que ele estava a gozar, que aquilo não podia ser a sério. nunca me senti particularmente atraído para o trabalho do pcr. neste momento, acho que ele é um pato bravo, simpático, mas nem por isso menos pato bravo.
remiguel. muito bem. o menino esmera-se.
mas gostava mesmo era de ter assistido ao momento em que o nosso razor entrou na sala da instalação. isso sim seria digno de ver e ouvir.
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