28.11.06

Mário Cesariny de Vasconcelos 1923-2006



Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Nobilíssima Visão (1945-1946),
in burlescas, teóricas e sentimentais (1972)

2 comentários:

carlopod disse...

agora o único surrealista que nos sobra é o Luís Filipe Vieira :-(

remiguel disse...

À espera do telefonema:

- Acredita na imortalidade?
- Não sei. Quando lá chegar, eu telefono [risos]…
(última entrevista de Cesariny ao Sol)
http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=11190